A palavra crise está na ordem do dia: crise mundial, crise econômica, crise política, crise sanitária, crises e mais crises. E em meio a uma crise geral, os casais enfrentam suas crises particulares, que são os conflitos que ocorrem em muitos casamentos. Após o sim e sim diante do juiz ou da igreja ou simplesmente a decisão de ir morar juntos, os cônjuges, “enfim sós” vão iniciar a incrível experiência do viver a dois; quando alguns pensam que tudo está decidido é então que começam os desafios do relacionamento conjugal e familiar.
Nenhum casamento, quer tenha um dia ou trinta anos, está pronto e acabado; a relação matrimonial deve ser construída dia-a-dia, com paciência, tolerância, renúncia, diálogo, liberdade de expressão, respeito pelas individualidades, flexibilidade, etc. É necessário que, através de uma avaliação constante, o casal vá se adequando às circunstâncias de sua relação; relação essa que é única, porque cada pessoa possui sua própria individualidade.
No período do namoro e noivado é quando devem ser percebidas as diferenças individuais, mas os noivos estão tão apaixonados e não dão a devida atenção aos indícios que surgem e essas questões não são levadas suficientemente em conta; tanto um como o outro acha que com a convivência, todas as dificuldades ficarão resolvidas, resultando em problemas futuros para o casal. Porém, uma vez juntos, os cônjuges devem procurar agora tirar o melhor proveito dessas diferenças, em função da unidade e harmonia entre eles, e este é um dos maiores desafios da vida conjugal, e que dará suporte ao casal para vencer as crises posteriores. As diferenças individuais deveriam complementar e não separar o casal.
Uma das crises mais sérias e que se revela fundamental para a continuidade ou não da relação é a crise que está relacionada à forma de comunicação entre o casal. Gregory Bateson, em suas pesquisas sobre como acontece a interação humana, observou que a relação entre duas pessoas ocorre de forma complementar ou simétrica. A interação Complementar é a relação baseada no aumento da diferença entre as pessoas, e acontece quando um dos parceiros é extremamente dominador e o outro é submisso e tem uma atitude complacente, aceitando que o outro tome todas as decisões a respeito do casal sem a sua participação. O autoritarismo e a subserviência são dois pontos fracos, e nenhum deles servirá para enriquecer a relação. O grande risco desse tipo de interação é que a pessoa que é continuamente submetida à autoridade da outra, sem o direito de expressar a sua vontade e opinião, sinta-se extremamente frustrada e desvalorizada pelo(a) companheiro(a) e decida interromper o relacionamento. O outro tipo de interação observada por Bateson e que pode ser prejudicial para casamento é a relação Simétrica, que se caracteriza pela igualdade e diminuição das diferenças. Apesar de, a primeira vista, isso parecer vantajoso na relação do casal, se for levado a extremos resultará em rivalidade e competição, causando rejeições mútuas e igualmente levará ao rompimento do vínculo conjugal.
Estes dois tipos de interação podem ser encontrados em relacionamentos saudáveis, mas, quando se tornam rígidos, podem igualmente resultar em conflitos entre as pessoas envolvidas. Em todo tipo de interação é necessário que haja flexibilidade e o ideal no casamento é a divisão tanto no poder quanto das responsabilidades na medida adequada das necessidades individuais, visando sempre o equilíbrio, o respeito e a unidade entre o casal.
Outra crise, que infelizmente foi muito agravada pela situação causada pela pandemia do Covid 19, é a econômica e financeira; o desemprego, a falta de recursos para a sobrevivência e a manutenção dos filhos, tem o poder de desestabilizar emocionalmente toda a família. Diante dessas dificuldades, o casal deve procurar reorganizar-se e adaptar-se à realidade buscando novas alternativas que lhes permita seguir adiante. As dificuldades econômicas de um casal podem levar a um conflito com suas famílias de origem ou a família extensa, porque envolve os familiares de cada um dos cônjuges. No entanto, é necessário que o espaço dado à família estendida tenha um limite, de modo que não haja interferência de sua parte em qualquer decisão a ser tomada pelos dois. Muitas vezes os pais ou outros parentes, atrapalham um casamento porque julgam poder continuar dirigindo a vida dos filhos depois de casados; esses familiares imaginam que, se estão ajudando de alguma maneira o casal, eles têm o direito de intrometer-se em suas decisões.
Uma outra crise que pode atingir um casamento é a crise de criatividade, humor e lazer. Durante o noivado, os enamorados procuram ser criativos e bem humorados, buscando sempre uma forma de lazer; durante essa fase tudo parece divertido e interessante. Porém, quando casam, a rotina, as ocupações, a necessidade de economizar, os filhos chegando, modificam um pouco essa realidade, colaborando assim para um certo cansaço, para a monotonia e a falta de alegria no casamento. Saber quebrar o gelo, criar novas formas de lazer em família e buscar prazer nas coisas mais simples seria de grande ajuda para a saída dessa crise.
Enfim, a crise que pode realmente ameaçar o matrimônio e afetar a conjugalidade, é a crise afetivo-sexual. Muitos casais se queixam da mudança que enfrentam em relação a essa questão, comparando as expectativas que tinham enquanto noivos e a realidade que enfrentam no casamento. Alguns sentem-se enganados pelas promessas de amor e carinho não concretizadas. Às vezes, com o nascimento dos filhos, a jovem mãe tende a descuidar-se da relação com o companheiro, causando-lhe grande ressentimento e consequentemente, um afastamento emocional entre o par. Outras vezes, a preocupação com a construção de um patrimônio familiar, e com a carreira profissional, podem levar tanto um quanto o outro a dedicarem demasiado tempo a suas ocupações laborais, em detrimento da dedicação mútua. Na realidade, quando cada um dos dois abandona os pequenos gestos de atenção, as palavras gentis de um para com o outro, começam a matar o afeto mútuo e entram em uma área de risco para a relação que pode abrir uma porta para a infidelidade conjugal. As carências afetivas-sexuais que deveriam ser supridas mutuamente serão motivo de mágoa e afastam o casal, levando a busca individual de resolução de seus problemas.
As diversas crises que um matrimônio atravessa, apesar de serem previsíveis e até certo ponto naturais devido às várias etapas do ciclo familiar, jamais devem ser minimizadas. Torna-se necessário que os cônjuges estejam alertas, para que as dificuldades naturais da relação a dois, somadas a fatores externos que possam interferir em sua interação, não prejudiquem a sua boa convivência. Através da vigilância constante e o companheirismo, o casal deve buscar novas alternativas para enriquecer sua relação de modo que a cada problema que surja, possa sair mais forte, mais unido, mais motivado para prosseguir com o matrimônio.
Albertiza Mitozo Ferreira
Psicóloga CRP 20/0316
Crises e mais crises.
Parabéns pelo texto bem propício para esse momento.
Muito grata Beatriz. As crises sempre existirão, mas saber antecipar-se a elas ajuda no enfrentamento.
Texto muito enriquecedor e atual! Parabéns!
Obrigada Soraya; espero que seja útil e ajude os casais.