Que tal ler sobre quem foi Winnicott?

Escrevi esse texto para um trabalho científico e resolvi publicar na íntegra aqui, pois lá o espaço é reduzido.
Não há como  seguir uma teoria psicológica sem conhecer quem foi seu autor.  Winnicott desenvolveu uma teoria própria sobre o amadurecimento emocional, baseada em sua experiência clínica, que não foi pouca. Há registro dele ter atendido mais que 60 mil crianças e tantos outros. Sua alta sensibilidade e capacidade para observar e registar o fez perceber como era o funcionamento dos bebês  e pacientes com distúrbios psicóticos, e bingo achou relação dos segundos com os primeiros, em termos de amadurecimento.  E assim, formulou uma teoria para analisar qualquer ser humano.

Donald Woods Winnicott é seu nome completo. Nasceu dia 7 de abril de 1896, na cidade de Plymouth, condado de Devon, sudoeste da Inglaterra.  Ele é terceiro e único filho de John Frederick Winnicott (nascido em 08/09/1855) e Elizabeth Martha Woods Winnicott (nascida em 01/01/1862). Ele teve duas filhas mais velhas1,2.

Aos 14 anos (1910), o pai enviou o adolescente Winnicott para estudar num internato (The Leys School – uma escola metodista), em Cambridge, devido ao comportamento disruptivo1,2. Ele parece não ter tido uma boa relação com seu pai, mas  pouco falou sobre o assunto. Ele era discreto e pouco sobre sua vida social2.

Seus pais eram cristãos da igreja metodista.  Winnicott cantava em  coral e era participativo em outras atividades de sua comunidade cristã. Ele tocava piano e cantava tenore tinha paixão por música. Apreciava Bach e Beethoven, mas também os Beatles3. Diz Clare, sua esposa:

‘nos últimos anos de sua vida, eram os últimos quartetos de cordas de Beethoven que o absorviam e fascinavam. Parecia que o refinamento e abstração do idioma musical dessas obras ajudavam-no a reunir e dar-se conta em si mesmo e da rica seara de uma vida inteira’3. Donald usava seu piano no intervalo entre dois clientes para tocar. Ao final de um dia de trabalho, ele fazia sua própria celebração fazendo uma explosão musical com um fortíssimo3.

Observa-se que ele era apaixonada pelas artes, algo que ele escreveu também como sendo uma conquista do amadurecimento de uma pessoa saudável.

Em 1914, Winnicott  fez um curso pré-médico, biologia, na Universidade de Cambridge1,2.  Em 1917, entrou no St Bartholomew’s Hospital (Bart’s), onde começou a fazer medicina2. Mal entrou no curso médico, aos 21 anos (1917), foi para a guerra atuar como cirurgião estagiário, na Marinha Real, num destróier, na Primeira Guerra Mundial1, sendo o mais jovem dos homens a bordo e único oficial médico, apesar de sua falta de formação. Logo após a guerra, Donald foi diretamente para o hospital onde estava estudando, a fim de continuar sua formação em medicina3.

Sua intenção em realizar medicina se deu quando quebrou sua clavícula no campo dos esportes e se achava no hospital da sua escola3. Relata Clare a ideia dele na época:

“puder ver que, pelo resto de minha vida, se me machucasse ou ficasse doente, teria de depender de médicos; a única saída para essa posição era tornar-me médico eu próprio e desde então a ideia, como uma posição real, esteve sempre em minha mente, embora soubesse que papai esperava que eu ingressasse em seu florescente negócio e acabasse por assumir de suas mãosa3”. 

Em 1920, ele concluiu o curso de medicina e continuou a trabalhar com o um professor, Francis Frase. No mesmo ano, se qualificou no Royal College of Surgeons e como licenciado no Royal College of  Physicians. Com esses títulos da época, adquiriu o direito de atuar na Grã-Bretanha2.  Também, em 1922, tornou-se especialista em medicina infantil – na época não era usado o nome pediatria. Winnicott não obteve títulos acadêmicos na medicina acima desses relatados1,2, excetuando a sua formação em psicanálise. Ele era essencialmente um profissional da área clínica, de onde tirou seus conceitos para formar sua teoria.

Winnicott não teve filhos, mas teve dois casamentos. O primeiro (julho de 1923), aos 27 anos, foi com a Alice Buxton Taylor1, da qual se separou, oficialmente, em 19491,2, vê-se que houve relação de 26 anos.  Clare, relatando parte da história dele, refere que Winnicott “esteve à beira de casamentos mais que uma vez, mas que se casou quando estava com 28 anos”. Todavia, analisando a data de seu aniversário e casamento, ele ainda estava com 27.

O Segundo casamento foi com Clare Britton Winnicott, ele assumiu a relação com ela em 1944, uma assistente social, que DWW conheceu em 1941, e que trabalhou junto com ela na evacuação de crianças2. Nota-se aqui que demorou cinco anos para uma separação oficial do primeiro casamento, acontecendo somente após a morte de seu pai. Não encontrei  ainda a data de casamento com a Clare, mas como ela carrega no sobrenome dele, deve ter acontecido em algum momento.  Clare, faleceu em abril de 19843.

Winnicott e Clare parece terem sido um bom par. Eles tinham senso de humor, se divertiam e tinham cumplicidade. Clare, refere que eles amavam se arrumar bem e sair para jantar à luz de velas, ver programas de dança da TV, fazer cartões manuais que eles pintavam para dar na época de natal, entre outros3. Formavam boa dupla para o trabalho. DWW chega a dizer a Clare:

“Meu trabalho acha-se muito associado com você. O seu efeito sobre mim é tornar-me agudo e produtivo, e isto é ainda mais terrível, porque, quando fico afastado de você, sinto-me paralisado para qualquer ação e originalidade” 3.

Voltando ao seus pais, sua mãe faleceu, aos 62 anos, em 1925, de doença cardíaca2, estando Winnicott com 29 anos. E seu pai, em 19481,2, quando ele estava com 52 anos.

Winnicott tinha doença coronariana, assim como sua mãe. A primeira manifestação da doença  dele aconteceu pouco depois da morte de seu pai2. A segunda, quando separou da primeira esposa1 e terceira quando um paciente seu se suicidou2. Ele acabou morreu decorrente da mesma doença, aos 75 anos (25/01/1971), infelizmente. Tivesse  ele vivido mais, teria tido tempo para nos brindas com mais conteúdos e rever sua própria teoria.

Winnicott e a Psicanálise

Seu interesse pela psicanálise (PC) aconteceu, especialmente, pela leitura do livro de Freud a Interpretação dos sonhos, em 1919, ao voltar da guerra1,2.  Como ele falava que havia perdido sua capacidade de lembrar seus sonhos1,2, certamente esse livro lhe despertou muito interesse para algo pessoal.  Um autor de sua biografia, Rodman2, registra que “Winnicott tinha profundo senso que a PC seria parte de sua vida profissional”.

DWW passou toda sua vida cuidando de pacientes, principalmente crianças e suas mães, chegando a atender mais de 60 mil casos clínicos. Escreveu muitos textos e nem tudo foi publicado. Quando faleceu, deixou mais de uma centena de textos que foram sendo publicados em livros com o nome dele, posteriormente3.

Claire, escrevendo sobre ele diz: ‘embora as ideias de outras pessoas o enriquecessem como clínico e como pessoa, era a elaboração de ideias baseadas na prática clínica que realmente o absorvia e com a qual se engalfinhou até o fim de sua vida. Tratava-se de um processo criativo no qual ficava totalmente envolvido”. Ele escreveu muito sobre a ‘área do primeiro relacionamento bipessoal’, mas também uma “ampla gama de tópicos incluindo: adolescência, delinquência e outros assuntos de interesse médico e sociológico. E a maior parte de sua clínica psicanalítica era composta por adultos”3.

DWW levou para a PC toda sua experiência como médico infantil e contribuiu para enriquecer as lacunas existentes na época, a primeiríssima infância. “Ele trouxe consigo para a psicanálise tudo que havia aprendido e continuou aprendendo com a pediatria”, assim diz Claire3:

DWW pretendia ser clínico da zona rural. Mas seu contato com o livro de Freud o fez descobrir a PC e decidir-se a permanecer em Londres, a fim de fazer análise. Seu interesse pelo cuidado com crianças, também, emergiu durante sua formação em medicina. Ele foi trabalhar no hospital infantil de Paddington Green e no Hospital da Rainha para crianças. Fez história nesses hospitais e recebia visita de colegas de todas as partes do mundo. As suas habilidades foram levando-o para clínica psiquiátria. Em 1923, ela abriu seu consultório particular na área de Harley Street3.

Donald era exímio nos registros e na escuta. ‘Ele sempre dizia que fora Lorde Horder que lhe ensinara a importância de anotar cuidadosamente a anamnese e estudar o que o paciente lhe dizia, em vez que simplesmente formular perguntas3”.

Sua experiência de vida também traz consigo  internações hospitalares. Uma delas já estando na faculdade de medicina3  Ele ficou internado por um longo tempo3, e sobre isso vejamos o que escreveu  Clare:

“Donald caiu doente com o que se relevou ser um abscesso do pulmão, e foi paciente do Bart’s por três meses. Um amigo, que lá o visitou, recorda-o nestas palavras: ‘Era uma velha e gigantesca enfermaria, com um teto alto que tornava anãs as compactas fileiras de leitos, pacientes e visitantes. Winnicott ‘estava intensamente divertido e interessado em achar-se perdido em uma multidão e disse-me: ‘estou convencido que todo médico deveria ficar, pelo menos uma vez na vida, em um leito de hospital como paciente’.

Penso que essa fase de internação de DWW deve ter sido muito relevante para ele, a ponto de fazê-lo refletir sobre o ficar no outro lado. Embora não haja nada adicional a isso, me faz pensar que estar na posição de enfermo não deva ser agradável.

Sobre sua vida profissional e aprendizados, Winnicott a resume bem nesses textos na introdução do livro natureza humana4:

“Nos estágios iniciais de minha carreira, evitei os casos muito trabalhosos de tendência anti-social, mas durante a guerra fui forçado a tratar esse tipo de dificuldade, em vista do trabalho que tive o privilégio de fazer com as crianças transferidas em Oxdorshire”. Nessa época, fui cedendo lentamente à tratar adultos do tipo psicótico, e descobri que era possível aprender muito sobre psicologia da primeira infância com adultos profundamente regredidos no decorrer do tratamento analítico, o que não teria sido possível pela observação direta de crianças, nem mesmo pela análise de crianças de dois anos e meio. Esse trabalho com adultos psicóticos revelou-se extremamente extenuante e absorvente, e nem sempre bem-sucedido. Em caso que terminou tragicamente, dei 2500 horas de minha vida profissional, sem nenhuma esperança de remuneração. No entanto, aquele trabalho ensinou-me mais que qualquer outro, de qualquer natureza.

Fazendo a ligação entre rodas estas cosias, esteve sempre a constante necessidade de dar conselhos a pais e mães que me consultavam, e foi espessa parte de meus afazeres que me pareceu a mais difícil.

Ele também dedicou-se a ensinar e dar palestras radiofônicas4, para falar sobre cuidados de bebês e suas mães e outros temas.

Bem, isso é apenas uma pedaço da história dele. No início de sua adolescência desejou ser médico. Durante a medicina despertou-se para a psicanálise freudiana e pela pediatria. Integrou ambas e nos brindou com esse arraso de teoria psicanalítica, contemporânea, baseada em relações humanas, afinal, somos humanos!

Foi um grande homem, muito além de seu tempo. Suas ideias estão muito atuais, pois estas ajudam a compreender os fenômenos que a sociedade está passando. O mundo mudou muito, quem dera ele estivesse vivo para nos ajudar.

Essa história será complementada com o tempo. Mas agora, quero deixa uma frase dele que acho muito interessante:

“Oh, Deus. Possa eu estar vivo quando morrer3“.


Escrito por:
Psic. Beatriz Farias Alves Yamada
CRP 06/127735

____________
Bibliografias consultadas

  1. Jan Abram.Donald Winnnicott today, 2013.
  2. F Robert Rodman. Winnnicott life and work,  da Capo Press, 2003.
  3.  D. W. Winnicott. Explorações psicanalíticas,  artes médicas, 1994,
  4. Winnicott, DW. Natureza humana. Imago, 1988.

Fotos: Google Imagens

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *